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quarta-feira, 23 de julho de 2014

Escravos do preconceito

Mesmo o Brasil sendo um país com uma grande diversidade, ainda há preconceito, inclusive no ambiente de trabalho

Hícaro Teixeira

No mercado de trabalho, empresas privadas ainda reprovam diariamente funcionários e candidatos a emprego por causa da aparência. Tatuagem, tipo físico, estilo de cabelo, obesidade, orientação sexual e cor da pele são os principais motivos alegados para considerar alguém fora do padrão desejado pelo empregador. O problema é que na maioria das vezes, o motivo da dispensa ou não contratação não é dito com clareza, o que não permite que as pessoas procurem a Justiça em busca de reparação. Elas alegam medo e insegurança de não conseguirem outro emprego. De acordo com especialistas, é raro alguns casos se transformarem em queixas na polícia e virarem processos judiciais, pois os profissionais tem medo de denunciar e se queimarem no mercado de trabalho.



Foto: reprodução
Um levantamento realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) mostra que entre janeiro e dezembro de 2012 foram registrados 48 casos de discriminação no Distrito Federal. E, também, ocorreram 12 ações judiciais de 6 assinaturas de “Termos de Ajustamento de Conduta (TAC)” – documento utilizado pelos órgãos públicos, em especial pelos ministérios públicos, para o ajuste de condutas contrárias à lei.

A auxiliar veterinária Laiane da Conceição, de 23 anos, diz que até hoje tem a vida conturbada, por conta das discriminações que passou no seu antigo emprego. A auxiliar relata que o chefe da clínica veterinária que ela trabalhava, além de discriminar a funcionária chamando-a de ‘cabeçuda’, xingava, assediava e até ameaçava de morte. Laiane diz que ele reclamava da qualidade do serviço e obrigava a funcionária a trabalhar 16 horas por dia e não pagava horas extras. Até na limpeza da clínica, Laiane era obrigada a trabalhar. Ela conta que sempre precisou trabalhar desde cedo para ajudar a família. “Tive que aguentar durante dois anos os abusos e discriminações feitas pelo chefe”, afirma.

A jovem tinha até se acostumado com os assédios e discriminações feitas pelo chefe. Segundo ela, bastava os dois ficarem sós na empresa que ele mal tratava. “Um dia, eu estava subindo a escada e de repente ele veio com uma garrafa de gasolina e caixa de fósforo me ameaçando, dizendo que ele só precisava arriscar o fósforo e tacar fogo em mim”, relata. Após esse dia, Laiane processou o chefe e fez uma denúncia no Ministério Público do Trabalho (MPT). Ela também disse que por conta das discriminações, frequenta psiquiatra há dois anos e, além do mais, toma remédio controlado.
De acordo com o procurador do Trabalho Valdir Pereira da Silva, as empresas são proibidas de exigir padrões estéticos para empregados. Porém, é necessário o MPT ter um controle sobre essas situações. “Assédio e discriminação geram sintomatologia, ou seja, problemas psicológicos. Hoje em dia, nenhuma empresa pode cometer esse tipo de discriminação, pois é causado um processo de danos morais coletivos”, afirma.

Formado em segurança da informação, Márcio Rodrigues, 27 anos, já presenciou a manifestação do preconceito pelo chefe muitas vezes. O caso ocorreu em 2008, quando trabalhava no CPD de uma concessionária.  

Márcio era considerado um excelente funcionário para o patrão antigo – o ritmo de produtividade era alto – e sempre era o funcionário do mês. No mesmo ano, foi escalado pelo chefe  para outro nível hierárquico  na empresa – ele atuava no grupo da montagem e configuração  e passou a atuar na área de processamento de dados da empresa.
Em maio 2008, o chefe de Márcio pediu demissão e entrou outro. O novo chefe começou a estranhar Márcio no outro mês. “Achei muito estranho essa mudança. Ele me tratava bem nos primeiros dias e depois começou a ficar estranho”, conta.

Certo dia ocorrera um problema no sistema da empresa, provocando a perda de muitos dados. O chefe acabou acusando Márcio. “Ele começou a gritar comigo e depois perdeu o controle, e me chamou de magrelo. Disse que eu não tinha capacidade, e que eu tinha que fazer exame de sangue. Desconfiei da expressão dele”, conta. Após isso, Márcio se sentiu muito mal. E depois, sempre o chefe puxava assuntos com ele, pedindo para ele ir ao médico, pois o estado físico de funcionário estava estranho, até que um dia o chefe perguntou se o funcionário tinha HIV.
Cansado da situação Márcio reclamou com os chefes superiores, mas não adiantou. Os chefes tiveram uma conversa, mas no outro dia o chefe foi comentar com o Márcio que o pensamento dele não era esse.

Márcio, inconformado com a situação, pediu demissão e depois processou a empresa pelo o fato de ter acobertado o funcionário. De acordo com Márcio, em setembro acontecerá o julgamento.   
Quando morava em Brasília, o estudante Aristóteles Leite, 21 procurava emprego em um shopping. Ao entregar o currículo em uma loja, o gerente pediu para ele emagrecer, pois fazendo isso ele conseguiria emprego em vários lugares. “Fiquei sem reação na hora. Pensei: será que, por ser gordo, eu tenho menos capacidade que os outros?”. Aristóteles pegou trauma de shopping até para fazer compras. ”Usei essas situações pro meu bem, emagreci 42 quilos em um ano”, diz.

O que impressionou a psicóloga Lorena Torres, após analisar a história do adolescente Aristóteles, foi ele ter emagrecido por conta da discriminação.  Para ela, a sociedade contemporânea dá muito valor à aparência, roupas, carro e objetos. Porém, isso influencia na cultura das empresas. “As pessoas estão se preocupando com questões que não faz o menor sentido. Isso não muda o caráter do profissional e nem a capacidade dele. Infelizmente nós estamos em uma sociedade que dá muito valor à aparência. A nossa sociedade quer vender felicidade de uma forma errada”, ressalta.

De acordo com a psicóloga, o fato dos trabalhadores não denunciarem e deixarem a história de lado, mostra que estão acostumados a passar por esses preconceitos. “Quem sofre essas agressões por muito tempo, e registra ocorrência, acabam deixando os argumentos perderem o sentido, e quem está registrando, acaba pensando que o denunciante está contando mentiras”, afirma.


Para o procurador do trabalho Valdir, nenhuma empresa pode exigir padrões estéticos ao funcionário. “Isso é inconstitucional, a empresa pode levar uma multa em um valor alto por conta disso”, ressalta. O procurador usou, como exemplo, um caso de um gerente das lojas Casas Bahia que discriminou uma funcionária por conta do cabelo dela. Segundo Valdir, a empresa fora notificada. “Nesse caso que acompanhei, a Casas Bahias levou uma multa de aproximadamente R$ 100 mil”, conta.

A professora da Universidade de Brasília (UnB) Christiane Machado Coelho, especialista em sociologia urbana do trabalho, explica que existe uma ditadura de aparência. Ou seja, hoje as empresas estão mais preocupadas com o autoritarismo no visual estético, que acabam causando uma discriminação violando os direitos humanos. “Essa cultura de estética ditatorial adotada no Brasil traz efeitos devastadores para a sociedade. O preconceito e a discriminação iniciam no recrutamento de empregados e vai até o dia que o empregado está na empresa, e é cobrança é tão grande, que ele não consegue permanecer por muito tempo”, explica.


Lucas Viana de Souza, 22 anos, trabalhava numa escola de informática no Guará, em 2010. Era professor de montagem e configuração de computadores. Viana sempre gostou de andar com o cabelo black power.  Na empresa houve uma pequena mudança na diretoria da faculdade: a entrada de um gerente administrativo. Num certo dia, o gerente chamou Viana na sala e disse que ele não poderia continuar com o visual na escola. Para Viana isso foi um preconceito muito forte. “Ele disse que meu cabelo não combinava com perfil de professor. Fiquei bastante chateado porque isso é da minha cultura, pois você carrega aquilo”, relata. Viana disse que conversou com o diretor da escola, mas nada foi resolvido.

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