Jarbas Silva Marques
“A Comissão Nacional da Verdade tem uma origem esdrúxula”
O ex-preso político diz que o governo Dilma está adotando a cultura da ditadura militar e ainda revela comportamentos do José Genoíno na Guerrilha do Araguaia
O jornalista Jarbas Silva Marques, de 73 anos, é considerado o ex-preso político mais torturado do Brasil. Ele fez parte do Partido Comunista Brasileiro. Trabalhou na revista ISTOÉ, no jornal Correio Braziliense, Jornal Opção e hoje é presidente do Instituto Histórico e Geográfico do DF.
Por Hícaro Teixeira

Cotidiano - O sr. foi torturado durante quantos anos?
Jarbas - Durante 10 anos. Fui torturado aqui em Brasília em 1967 pela equipe do coronel Beira Matos, que tinha chegado da invasão de São Domingos em 1965. Em 67 fui considerado o preso político mais torturado do Brasil. Quebraram a minha cabeça com pauladas (pegue aqui no meio - olha o buraco). Sofri uma tortura no quartel do BGP chamada escovão. Me afogaram em um latão com urina e fezes dos presos. Isso entrou nos meus ouvidos.
Cotidiano - Ficou preso apenas em Brasília?
Fiquei nas piores cadeias do país, de celas cavadas na rocha, em Fortaleza de Santa Cruz da Barra no Rio de Janeiro e na Ilha Grande. A minha perna direita não tem ligamento muscular, pois quebraram e arrebentaram. Usei muletas por muito tempo. Fizeram tortura sexual comigo, eu tenho varizes na bolsa escrotal. Usaram o meu corpo para dar aula de tortura. Enfiaram éter no meu ânus várias vezes - eu sentia minha língua inchar. Colocaram um jacaré em cima de mim, o comandante trouxe do Amazonas. O animal me deu várias dentadas no braço.
Cotidiano - O sr. foi convocado para depor na Comissão Nacional da Verdade?
Jarbas - Não! Eu sou incomodo.
Cotidiano - Por que? Eles não estão trabalhando como deveriam? Há conflitos políticos lá dentro, né?
Jarbas - Essa Comissão tem uma origem esdrúxula. Quem mandou o projeto para o Congresso Nacional foi o ex-presidente Lula, e ele mandou porque a Justiça Federal do Brasil condenou o Estado. Lula não obedeceu a Justiça e aí as famílias dos guerrilheiros do Brasil correram para o tribunal da Organizações dos Estados Americanos (OEA). Essa comissão foi uma origem esdrúxula, foi uma manobra do Lula e do PT para esconder que eles foram condenados. A dona Dilma não recebeu nenhum familiar dos desaparecidos direito. Não recebeu nenhum ex-preso político e fez a composição sem nos ouvir. A primeira composição disso foi a manobra para fazer apenas um relatório. Fomos nós que questionamos a crise. Eles não procuraram nada. Isso tudo é um jogo de cena.
Cotidiano - O Palácio do Planalto está pressionando o Senado para que seja aprovado o projeto que enquadra protesto de rua como “ato terrorista” - quem for detido será penalizado com 30 anos de prisão. Podemos dizer que existe um viés ao AI-5?
Jarbas - Não é viés com o AI-5, porque ele foi uma fase da ditadura. O que o governo petista está reanimando é uma cultura repressiva - que é a cultura da ditadura. Tudo isso é uma estratégia de volta das ditaduras a nível continental. Essa legislação é mais fácil para conter a repressão política. Isso se deu nos Estados Unidos quando o pessoal fez a mobilização em Wall Street.
Cotidiano - Inclusive, o Ministério da Defesa criou um manual de conduta para os militares agirem com rigorosidade contra os manifestantes na Copa, taxando eles de “forças oponentes”. O que observa nessa questão?
Jarbas - Isso é um Estado policial. A mesma doutrina de segurança nacional que os americanos fizeram no Rio Grande no México. Tudo isso é ditadura! É um ato policial. O exército, marinha e aeronáutica passam a ser a polícia.
Cotidiano - A ONU cobra explicações do Brasil sob o uso excessivo de força policial nas manifestações. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebeu a carta, mas não há nenhuma resposta do governo federal até agora. O que o sr. acha?
Jarbas - A quinze dias atrás ocorreu um fato exponencial. Se você é assaltado aqui, demora uma hora para a polícia civil chegar, mas se você faz uma luta representando qualquer princípio de luta política, aparece polícia em 5 minutos. A máquina está preparada para matar. A Constituição diz que temos o direito de ir e vir. Eles colocam a polícia para as pessoas não transitarem. Eu como jornalista e militante político testemunhei aqui em Brasília que a maioria desses black blocs eram agente policial infiltrados para justificar a repressão. No Itamaraty quando houve aquela manifestação aconteceu um fato: quem faz a segurança são os fuzileiros navais, só que os jornalistas não contavam isso. Um dos sujeitos que estava depredando era fuzileiro naval da guarnição do Itamaraty, e os colegas dele deixaram ele entrar tranquilamente.
Cotidiano - E a tática do ‘pelotão ninja’ (batalhão especializado em artes marciais e sem armas de fogo), se compararmos com as manifestações na sua época contra o regime militar?
Jarbas - Eles já fazem isso a muito tempo, a maioria dos torturadores eram instruídos em artes marciais.
Cotidiano - Na sua época existia isso?
Jarbas - Sim! Em Goiânia naquela época existia um torturador chamado Hugo Nakamura, e ele fazia luta livre e judô. Aqui em Brasília o primeiro instrutor era o ex-kamikaze Ninomiya.
Cotidiano - 117 jornalistas foram agredidos nas manifestações de junho, segundo a Abraji. E na primeira manifestação contra Copa do Mundo, em São Paulo, 14 jornalistas foram detidos pela PM.
Jarbas - O que aconteceu com a mídia ninja? Eles filmaram um major colocando na mochila dele um coquitel molotov pra jogar na polícia. E tudo isso foi provocação da polícia.
Cotidiano - A presidente Dilma Rousseff ressaltou em Bruxelas que o Brasil defende a liberdade de imprensa, e disse que não houve repressão. Por que isso?
Jarbas - Isso é um cinismo. Primeiro que o PT está tentando fazer o controle da imprensa. Por que a polícia dela bate e prende jornalista? Ela fala uma coisa e faz outra.
Cotidiano - José Genoíno era militante do PC do B?
Jarbas - Sim. Você está falando com a pessoa que fez um relatório central para o PC do B sobre o comportamento do Genoíno na guerrilha do araguaia. Foi um comportamento de um delator e de colaborador com a repressão política - tenho documentos comprovando.
Cotidiano - O sr. ainda se considera ainda como um comunista? Qual é sua visão sobre o comunismo hoje em dia?
Jarbas - Sou comunista leninista. E hoje esses caras ficam pagando vaquinha para o Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares.
Cotidiano - Alguns militares alegam que se não tivessem feito o Golpe, o Brasil seria tomado por Comunistas. Segundo eles, haveria oportunidades para ser implatada uma ditadura. O sr. concorda?
Jarbas - Kennedy que preparou o golpe de 64 no Brasil. E o golpe não começa em 64, começou na Itália quando o tenente Humberto de Alencar Castello Branco é cooptado pelo general americano Vernon Walters para voltar ao Brasil e fazer escola superior de guerras para preparar uma elite civil e militar para dar um golpe. Mataram o Getúlio Vargas, tentaram acabar com a Petrobrás.
Cotidiano - Militantes do Partido Comunista Brasileiro tinham ligações com o ditador cubano Fidel Castro. A novela Amor e Revolução do SBT mostrou isso. Alguns trouxeram armas para o Brasil…
Jarbas - Desinformação. Fidel Castro e Che Guevera e mais 22 jovens fizeram a revolução cubana na beirada dos EUA, há 180 Km. Então o mundo viveu uma febre revolucionária com Fidel e Che. Inspirou toda uma geração de idealismo.
Cotidiano - Mas o Fidel matou muita gente…
Jarbas - Isso é o que você diz por ignorância e por estar intoxicado! Ele matou torturador e não foi ele que matou, foram os tribunais revolucionários. Se você conhecesse e não tivesse repetindo o que os americanos dizem… Ele matou torturador assessorado pela CIA. Vou só te contar um fato: eu tinha ligações... Eu era dirigente estudantil e partidário. A máfia controlava Cuba. Ela era um puteiro dos EUA. Tinha drogas, tortura sexual e etc. Vocês ficam repetindo essa porra até hoje intoxicado pelos americanos.
Cotidiano - O que o sr. acha do general Newton Cruz, que foi ex-chefe da agência central do SNI (Serviço Nacional de Informações)?
Jarbas - Está sendo processado até hoje. Fizeram o atentado do Riocentro pra dizer que não tinha condição de eleição direta. A mesma equipe que matou a equipe do jornalista Mário Eugênio era subordinada ao Octávio Medeiros na agência central do SNI. O Cruz queria entrar no lugar do ex-presidente Ernesto Geisel. O sargento do Exército Antônio Nazareno Mortari Vieira falou bêbado na Papuda que ele e o pessoal da equipe saiu a mando de Cruz para matar o jornalista no Rio de Janeiro.
Cotidiano - O sr. estava preso no período do atentado do Riocentro?
Jarbas - Nesse período não. Eu estava fazendo tratamento no hospital Sarah Kubitschek em Brasília por causa das torturas. Fiquei 3 anos e meio fazendo fisioterapia lá.
Cotidiano - Eles estavam preparando um novo atentado naquele período. Ele saiu em 1981, mas em 1983 estava planejado mais um. Qual é sua visão?
Jarbas - Eles cometeram vários atentados. Eu participando em lutas da anistia, eles jogaram várias bombas entre eu e a mãe do Jorge Júnior. Fora os atentados que mataram muita gente.